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Rosicleia Campos se despede da Seleção Brasileira com carta em que conta sua trajetória

Técnica rubro-negra seguirá à frente das equipes de judô do Flamengo

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Foto: Paula Reis / CRF

Após 20 anos à frente da Seleção Brasileira de Judô, a rubro-negra Rosicleia Campos se despede. Foram 14 medalhas olímpicas e 48 medalhas em Mundiais no período mais vitorioso da história do judô brasileiro.

Em homenagem à treinadora, que segue no comando das equipes rubro-negras, o Flamengo externa a carta de despedida escrita por Rosi. O Clube de Regatas do Flamengo tem muito orgulho de ter em seu corpo técnico uma profissional desta grandeza.

Confira a carta na íntegra:

Tudo começou com uma inocente fuga das aulas de catecismo para assistir aos treinos de judô na Academia Ren Sei Kan.

Parece que foi ontem, mas hoje concluo mais um ciclo da minha vida. Durante 37 anos estive a serviço da Seleção Brasileira de Judô.
 
Ainda aos 15 anos fiz minha primeira viagem internacional para defender nosso país e, orgulhosamente, vesti o JUDOGUI com o emblema do BRASIL no peito. Que orgulho!!

Não imaginava que naquela ocasião estaria iniciando uma relação que se tornaria a grande paixão da minha vida.
 
Atleta dos 15 aos 31 anos, representei o Brasil e o Flamengo em duas Olimpíadas - Barcelona 1992 e Atlanta 1996.

Migrar de atleta para a comissão técnica, até a chegada à Seleção Brasileira, foi um caminho de tensão e muita provação. Sem a coletividade e o apoio de algumas pessoas, família, clube, CBJ, não seria possível permanecer.

Em 2000, veio a minha aposentadoria como atleta e o convite para compor o quadro de treinadores nos Jogos Olímpicos de Sydney.

Em 2001, assumimos a equipe sub-18. Em 2002, a equipe sub-21. Em 2005, uma das fases mais desafiadoras da minha vida: ser treinadora da equipe SÊNIOR FEMININA.

O desafio não foi apenas por um judô feminino emergente, mas também pelo fato de ser uma mulher. Uma mulher em um esporte que demorou a reconhecer o potencial profissional feminino e suas competências na conquista definitiva de espaço e respeito, com autonomia de ações independentes.

O caminho não foi fácil. A resistência em ter uma mulher à frente da seleção veio de vários lados: gestores, treinadores, atletas... Como ninguém chega a lugar nenhum sozinha, lutamos juntos por esse espaço - eu, Ney Wilson e Roberto Perillier - e ao longo do caminho os resultados mostraram que as escolhas foram acertadas. Conquistamos as Américas e o Mundo.

Ter reconhecimento público e honra em receber o Prêmio Brasil Olímpico de melhor treinadora de esportes individuais em 2011 coroou um trabalho que estava só começando. Naquele momento algumas metas inéditas foram alcançadas: sete medalhas nos Jogos Pan-Americanos Rio (Daniela Polzin, Érika Miranda, Daniele Zangrando, Danielli Yuri, Mayra Aguiar, Edinanci Silva, Priscila Marquês e Fisio Roberta Mattar), realização do sonho olímpico através da linda Ketelyn Quadros (Pequim 2008), a primeira conquista em Mundiais com a Mayra Aguiar em 2011.

Depois de tantos feitos inéditos, veio o ouro olímpico da Sarinha (Londres 2012), o ouro Mundial da Rafaela Silva (Rio 2013) e muitas outras medalhas olímpicas e mundiais e também as que chegaram perto, Maria Portela (Portelinha).

Em 2013 conquistei minha medalha de ouro pessoal, pois resolvi ser mãe e Deus me abençoou com os gêmeos (Ana Clara e Matheus).
 
Ser mãe no meio de um ciclo olímpico fez parte de uma das principais conquistas, onde provamos, na prática, que mulheres têm todas as credenciais necessárias para ocuparem esses cargos. Agora, todas as mulheres que estão chegando e ainda vão chegar, já terão a certeza que é possivel ser mãe e ter sucesso como treinadora.

O encerramento desta etapa da vida já vem sendo pensado junto com as pessoas que sempre me apoiaram. Hoje estou em paz por ter feito o que gostaria. Cada degrau superado, cada trilha percorrida da minha carreira faz parte da história do judô feminino.

Presenciar a transição desta gestão para pessoas experientes e capazes de dar continuidade a tudo que construímos me traz mais certeza de que eu faria tudo de novo.

Tenho orgulho de ser uma das mulheres mais graduadas do país (7º dan) e com uma participação ativa na conquista de tantas medalhas mundiais e olimpicas.

Os ciclos iniciam e terminam. E nesse ciclo ajudei a escrever a história do JUDÔ FEMININO, com honestidade, lealdade, determinação. Fiz disso o meu propósito de vida.
 
Aceitei críticas. Todas elas respondidas com trabalho.
 
Levo comigo saudades, alegria e, principalmente, o sentimento do dever cumprido. Saio feliz por ter contribuído pela a independência do JUDÔ FEMININO.
 
Quero agradecer primeiramente a Deus, a todos que me deram oportunidade, às atletas (sem elas os objetivos não seriam alcançados), aos meus pais (Dona Delza e Sr. Campos) pela oportunidade de poder praticar aquilo que gosto, ao meu esposo  (Edmundo) por ter aceitado o desafio de ser pai e mãe nas minhas inúmeras ausências, à minha família como um todo, ao professor Betão, que me conduziu durante todos esses anos no nosso clube Flamengo, desde a minha chegada aos 15 anos até a minha contratação como treinadora em 2001.
 
A vida é imprevisível. Nada acontece por acaso, tudo tem seu motivo, sua hora, seu lugar para acontecer. A vontade é DIVINA! O futuro planejamos, mas o resultado nunca antevemos.
 
Desejo sucesso à minha amiga Andrea Berti, que desbravou e pavimentou essa estrada junto comigo, e à nossa pequena notável Sarah Menezes. Iniciamos nossa caminha juntas, quando ela tinha apenas 15 anos de idade.

É sobre amor, entrega e propósito!

Vamos que vamosssss, mulherada!!!

Rosicleia Campos