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Voltando ao Futuro

Leia texto do jornalista Roberto Assaf, especialmente para o site do Flamengo, sobre o primeiro título brasileiro do clube, há exatos 29 anos.

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Se algum dia surgir uma máquina do tempo, capaz de me transportar ao passado, não terei a menor dúvida em escolher o 1º de junho de 1980. Naquele dia, um domingo meio nublado e frio, o Flamengo venceu o Atlético Mineiro por 3 a 2 e conquistou seu primeiro Brasileiro.

Não sou propriamente um saudosista, mas se essa chance aparecer, agarrarei com unhas e dentes. Farei, no entanto, questão absoluta de deixar por aqui tudo o que foi acrescentado à minha vida nos 29 anos que se passaram desde então. Quero reviver a experiência com toda a intensidade da época.

Também não pretendo, tenham a certeza, trazer na viagem de volta o que vou reencontrar, pois quase nada daqueles tempos se encaixaria nos meus dias de hoje. Ouvi numa ocasião, na TV, de um especialista em resgate de navios naufragados, que o correto seria permitir, não fosse a sua necessidade pessoal de sobrevivência, que tais embarcações descansassem em paz para sempre, pois remexer no que as águas tragaram só provoca desconforto nas almas dos que se foram.

Não faz muito tempo, revi o teipe daquela decisão, numa reunião de rubro-negros fanáticos, todos já um tanto veteranos como eu, e confesso que entrei meio que em depressão. Não pude segurar o choro convulsivo, que chegou a impressionar a alguns. Logo, expliquei que aquela emoção não estava ligada apenas ao futebol, mas era provocada sobretudo por me remeter a uma época absolutamente extraordinária da minha vida. Jamais conseguirei recuperar os meus 25 anos de idade, e a sensação de juventude e liberdade que neles se encerram, mesmo que eu ganhe sozinho um prêmio gordo de loteria.

Mesmo assim, creio que não faria mal algum acompanhar ao vivo em mais uma oportunidade, mesmo que fosse a última, aqueles 90 minutos carregados de muito sentimento, que representam o meu jogo preferido de todos os tempos. Vibrar com a genialidade de Zico, a sobriedade do Carpeggiani, os gols do Nunes, os dribles do Júlio César “Uri Geller”, com a qualidade absurda enfim daquele esquadrão que iniciava, naquele domingo meio nublado e frio, a sua arrancada rumo ao título mundial.

Também seria interessante reencontrar na arquibancada, bem ali atrás da baliza onde o “João Danado” meteu o terceiro, o menino de cabelos compridos louros, ainda cheio de desejos e ambições, que hoje, 29 anos depois, escreve essas mal traçadas linhas. Acho até que voltaria a perdoar o Manguito e seu recuo de bola alucinado que quase impede a redação desse texto.

Pois é isso. O especialista em navios naufragados me alertou que não se deve revirar o passado. Nem revisitá-lo. Mas se a tal máquina do tempo surgisse, eu pediria licença para contrariá-lo, uma vezinha só, para soltar novamente aquele grito de gol que levarei comigo para sempre. Sim, porque esse jogo não acabou naquele 1º de junho. É ele que me liga afetivamente ao que houve de melhor de Flamengo e da minha própria vida.

Roberto Assaf é jornalista e escritor. É autor de livros como "Campeonato carioca, 96 anos de história", "Mundo das copas do mundo", "Fla-Flu, o jogo do século", "Flamengo x Vasco, o clássico dos milhões","Almanaque do Flamengo" e “História completa do Brasileirão”, entre outros.