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Arthur Muhlenberg: Ataque Animal

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Talvez vocês se lembrem de um programa TV antigo chamado Ataque Animal que mostrava cientistas sérios simulando em laboratório duelos mortais entre bestas-feras pertencentes a biomas diferentes. Tubarão Branco enfrentava o Crocodilo Gigante do Nilo, Leão africano se embolava com o Tigre de Bengala, o Godzilla saía na mão com o King Kong. Enfim, o pau comia geral, sempre sob a supervisão de estudiosos dos mais variados campos da ciência, que iam explicando o que estava acontecendo no ringue. Era um programa muito violento, mas também divertido. E, acima de tudo, muito educativo. Enquanto assistíamos à porrada comer sem freio íamos aprendendo um monte de coisas sobre as características físicas dos bichinhos e seus respectivos habitats. 

Logo mais, no estádio Antonio Vespucio Liberti, vulgarmente conhecido como Monumental de Nuñez, apesar de ficar no bairro de Belgrano, o Flamengo vai bater de frente com o River Plate. Um embate que poderia ter figurado tranquilamente no antigo programa de TV. São dois gigantes que habitam biomas diferentes, mas ao contrário daqueles duelos simulados em laboratórios, na vida real, de vez em quando, Flamengo e River Plate estão disputando mesmo uma presa e são obrigados a cair dentro. 

A presa da vez é a Conmebol Libertadores, que além de ser muito valiosa e arisca o Flamengo já até esqueceu qual é o seu sabor. Uma fome de décadas que, esperamos, justifique uma postura mais feroz e encarniçada do Mais Querido do que dos Millionarios. Nada pessoal, é só mais um capítulo da eterna luta pela sobrevivência no mundo animal. 

O Super Urubu Malvadão da Gávea já enfrentou a Galinha Monumental de Nuñez antes, pelos mais variados motivos e em diversos campos do mundo. Ganhou algumas, perdeu outras. Mas no retrospecto da Libertadores a vantagem é nossa, com duas vitórias e aquele recente empate de portões fechados. Inclusive já metemos um épico 3 a 0 lá dentro do Monumental, mas isso foi em 1982, no tempo em que deuses como Zico, Júnior e Adílio corriam pelos gramados assombrando os mortais, e ainda não tinham se recolhido ao Olimpo Rubro-Negro. Mas vivemos em outra época. Tenhamos a humildade de admitir que versar sobre o Flamengo clássico é assunto para historiadores e estudiosos da mitologia. 

Dizer que existe uma rivalidade entre Flamengo e River é um exagero análogo a dizer que o leão é rival do tigre, quando na verdade eles nem moram na mesma floresta. Contudo, se levarmos em consideração os valores que cada time representa, estamos autorizados a tratar o River com o desprezo que dispensamos aos mais tradicionais rivais do Flamengo. O River, a despeito de suas origens entre os imigrantes no bairro proletário de La Boca, de onde se mudaram em direção Norte assim que a situação melhorou um pouquinho, é o time identificado com a burguesia criolla (descendentes dos primeiros colonizadores espanhóis, precursores das ondas de imigração europeia do período pós-colonial). Bem o contrário do Flamengo, que nasceu playboy na burguesia carioca e com o passar dos anos foi evoluindo socialmente para se tornar o time das massas mulambas de todo o Brasil. 

Repararam no yin-yang? Somos em tudo diferentes do River. Fora os respectivos e justificados protagonismos que exercem em seus torrões natais, a única coisa que Flamengo e River compartilham é a origem meio bastarda de seus apelidos. Todo mundo sabe que o Flamengo virou urubu porque, nos politicamente incorretos anos 60, torcedores de um time da Zona Sul carioca tentaram ironizar a marcante presença da melanina em nossa torcida nos associando ao pássaro negro, destemido e onipresente em todo o território nacional. Um tiro que saiu pela culatra e acabou criando mais um símbolo da orgulhosa Nação vermelha e preta. 

A história de porque o River Plate virou gallina é parecida. Após uma embaraçosa derrota para o Peñarol na final da Libertadores de 66 o River foi enfrentar o minúsculo Banfield pelo campeonato argentino. Uns torcedores gaiatos do Banfield lançaram no gramado do seu campo em Peña y Arenales uma galinha branca com uma faixa vermelha presa à plumagem. Lógico que virou piada em todos os jornais esportivos dos hermanos. Os torcedores do River, após uma momentânea irritação com a zoeira, fizeram como a torcida do Flamengo, pararam de passar recibo e também incorporaram o apelido. E as semelhanças param por aí.       

E é bom que seja assim, porque todas as diferenças que temos com o River são para nós motivo de orgulho. Sabemos que eles também têm sua história bonita e seus grandes momentos, mas, com todo o respeito, se não fosse aquele drone do Fantasma de La B muitos dos nossos jovens torcedores nem se lembrariam de sua existência. E cá pra nós, só aquela faixa que cruza em diagonal a camisa do River é mais do que suficiente para que cultivemos uma justificada antipatia com os caras. E pra que ser simpático? Se o Flamengo quer mesmo sair do Monumental como líder do seu grupo não tem que ser amigo de ninguém. Libertadores não é lugar pra isso. 

Soou o gongo. Que se inicie o combate. 

Arthur Muhlenberg é mulambo desde 1964.

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As opiniões expostas pelo autor deste texto não refletem a opinião do Clube de Regatas do Flamengo. Arthur Muhlenberg é convidado e responsável direto pelo conteúdo aqui publicado.