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Verbas públicas não chegam aos atletas

Artigo de Marcio Braga publicado no jornal OGlobo 12/outubro (pg7)

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Está esculpida na entrada do Museu Olímpico, na Suíça, uma frase de Juan Antonio Samaranch que resume o espírito olímpico: "O importante é o atleta!". Samaranch, veterano líder do esporte mundial, é hoje o presidente de honra do Comitê Olímpico Internacional (COI).

Esse lema norteia a política esportiva dos países que se destacam nas principais competições esportivas mundiais. Não é o caso do Brasil, lamentavelmente. Nossos resultados nos Jogos de Pequim foram mais modestos que os alcançados no torneio anterior, embora os recursos financeiros à disposição do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) tenham aumentado consideravelmente.

Nunca houve tanto dinheiro público injetado em um ciclo olímpico: foram cerca de R$700 milhões nos últimos quatro anos. A melhor campanha brasileira da História, Atenas-2004, com cinco medalhas de ouro, demandou muito menos: cerca de R$280 milhões.

Uma explicação para esse paradoxo é o distanciamento cada vez maior do nosso Comitê Olímpico dessa filosofia que privilegia o atleta em vez do poder burocrático. O dinheiro é imprescindível e os investimentos públicos e privados no esporte devem continuar crescendo no país. Mas também é imprescindível que se assegure que os recursos serão usados efetivamente na formação e no treinamento do atleta. E é preciso que haja confiança no trabalho dos dirigentes esportivos.

O recente episódio da reeleição do atual presidente do COB não contribui em nada para aumentar a confiança em nossa entidade esportiva maior por parte da sociedade, das empresas investidoras e mesmo das autoridades esportivas internacionais. A convocação às pressas de uma assembléia geral dessa importância não condiz com os princípios éticos que deveriam nortear a administração de uma entidade responsável pela gestão de vultosos recursos públicos e questões importantes como a candidatura do Brasil às Olimpíadas de 2016.

Toda eleição deve respeitar o espírito democrático e o movimento olímpico deve ser um exemplo, por ter sua inspiração na Grécia Antiga, berço da democracia. Embora apenas a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tenha manifestado o seu protesto contra a forma obscura da reeleição no COB, todas as demais entidades do esporte brasileiro perdem com isso. O dano à reputação do nosso Comitê Olímpico significa desgaste para a confiança de todos os que estão envolvidos na causa do esporte.

Além do mais, é preciso oxigenar o movimento olímpico brasileiro para que sejam introduzidas mudanças que tornem mais democráticas as decisões, desonerem o custo administrativo das entidades e façam com que os recursos financeiros alcancem efetivamente os atletas. \ Enquanto as verbas públicas não alcançarem os atletas e as entidades formadoras, não haverá condições para realizar um trabalho consistente de formação esportiva. \

Hoje, a formação dos atletas ocorre apesar do COB e não promovida por ele. O Clube de Regatas do Flamengo, por exemplo, investe recursos próprios na formação de atletas olímpicos e não recebe um tostão dos recursos públicos administrados pelo COB. O Flamengo tem tradição na formação esportiva em diversas modalidades, como ginástica, remo, basquete, judô, natação, nado sincronizado, waterpolo, entre outras. Temos contribuído com representantes de destaque nas delegações olímpicas do país. No último Pan, o Flamengo participou com 23 atletas, que conquistaram várias medalhas. Se fosse um país, ocuparia o 14º lugar no ranking dos jogos.

O esforço do Flamengo para formar e treinar esses e milhares de outros atletas é mantido com recursos na nossa principal fonte de renda, que é o futebol profissional. Como o Flamengo, outros clubes (Pinheiros - SP, Minas Tênis - MG, Sogipa - RN etc.) também investem nos seus atletas recursos próprios, seja do futebol ou de outras fontes. Além de não serem contemplados com o dinheiro gerido pelo COB, os clubes são penalizados porque seus atletas não podem usar as marcas dos patrocinadores nas competições oficiais. Este modelo restringe oportunidades de mercado para os clubes e atletas que disputam suas principais competições com o uniforme do COB, sem qualquer marca do clube ou patrocinadores.

Além de atletas e entidades formadoras, em sua maioria clubes, é fundamental trabalhar o esporte na escola, voltado para o desenvolvimento integral da pessoa humana, priorizando os recursos públicos ao desporto educacional, como estabelece a Constituição.

O governo federal e o Congresso Nacional precisam discutir esse tema de forma mais ampla, com atletas, clubes e entidades de administração esportiva. A hora é agora! Um novo ciclo olímpico se inicia e não se pode cometer os mesmos erros. É preciso acompanhar com mais rigor a administração dos recursos públicos destinados ao COB e estabelecer uma política nacional para o Esporte.

Ao mesmo tempo, a CBF, como única entidade membro da Assembléia Geral do COB que é independente de recursos públicos, tem a responsabilidade de reagir ao autoritarismo com que foi tratado o movimento olímpico nesta última eleição e participar da discussão sobre a aplicação dos recursos destinados à formação dos atletas olímpicos, para que os clubes poliesportivos possam continuar participando das demais modalidades sem onerar o seu principal esporte.

MARCIO BRAGA é presidente do Flamengo.