No Dia das Crianças, garotos que moram longe de casa se emocionam ao falar da família
Fabrício Costa\ Do GLOBOESPORTE.COM\
Os garotos que moram no alojamento: Bruno, Maicon, Lorran, João, Edgar, Gustavo, Vinícius, Rafael, Luiz, Leozinho e Joaquim, com exceção deste.
De longe é possível avistar dois casarões com escudos do Flamengo. Mais perto, três campos indicam que ali funciona o centro de treinamento do clube mais popular do país. Como numa fábrica de sonhos, o CT de Vargem Grande recebe garotos entre 14 e 17 anos, que treinam incessantemente e dormem na esperança de um dia serem como Ronaldo, Kaká ou Romário. Só param para pensar na vida fora da clausura em datas especiais, como o 12 de outubro. Que o diga Leozinho, de 15 anos.
- Cheguei ao alojamento do Flamengo com 12 anos. Mas a gente não vive só de bola. Sinto muita saudade dos meus pais, ainda mais no Dia das Crianças. A igreja é que me dá forças para continuar lutando aqui no Rio. Toda quinta-feira vou à Assembléia de Deus, na Barra da Tijuca. Não gosto de guardar fotos do meus parentes. A lembrança deles está no coração - afirma o atacante pernambucano cabisbaixo, que tem como melhor amigo no futebol o volante Jônatas, ex-Flamengo, e agora no Espanyol.
- Já fui à casa dele três vezes no Ceará. Ele é um pai para mim. No Dia das Crianças, também vou me lembrar dele.
Edgar: olho na bola e nos retratos guardados a sete chaves no alojamento
Fim do tormento
O mato-grossense Joaquim Telles tem melhor sorte que os companheiros que moram no alojamento. Mas, assim como todos que habitam as dependências do Fla, também sente saudade do pai que vive em Sinop.
- Fiquei um ano e meio longe dos meus pais. Morava com um tio, que tinha problemas de saúde, em Vila Isabel. No início de 2007, a minha mãe decidiu se mudar para cá, a fim de cuidar melhor de mim. Já o meu pai, só vejo pela webcam. Ele continua morando no Mato Grosso - afirma o camisa 10 do time, que faz aniversário no mesmo dia em que o ídolo Romário, 29 de janeiro, e vai pedir um iPod de presente.
Rotina cruel
Zé Ricardo: técnico se considera um irmão mais velho para os meninosFim de treino da categoria infantil. Os garotos ouvem os conselhos do técnico Zé Ricardo. No próximo domingo, haverá mais um jogo do Campeonato Carioca. Todos sabem a tabela da competição de cor e salteado. Mas se enrolam na hora de responder o que farão na data deles: o Dia das Crianças.
- A gente deve jogar videogame e assistir à TV a cabo. Só vejo os meus pais uma vez por ano. Vou passar o Dia das Crianças olhando para o pôster com mensagens de apoio que eles me deram. Estou na concentração do Flamengo há 5 meses. Tenho muita saudade para sentir ainda - diz o goleiro Gustavo Vanin, apelidado de Pato pelos companheiros devido à semelhança com o atacante do Milan.
Mais sentimental, o centroavante Vinícius Maciel desabafa:
- Os meus pais me ligam dia sim, dia não. E eu tento ir para a minha casa pelo menos duas vezes por ano. Estou contanto as horas para chegar dezembro logo. Eles falam que querem me abraçar e me beijar. O melhor presente de Dia das Crianças era a presença deles aqui no Rio. Mas sei que isso não vai acontecer.
Big Brother
No intuito de preencher uma lacuna na formação dos garotos candidatos a jogadores de futebol, o treinador Zé Ricardo exerce papel fundamental.
- Sou como um grande irmão. Aquele mais velho da família que dá conselhos e tenta diminuir a distância dos pais deles. Aqui, eles aprendem a seguir regras e a ter disciplinas, mas também precisam de carinho. Os parentes dos garotos sempre me procuram quando estão no Rio. Eles dizem que ficam preocupados, mas confiam nos profissionais do Flamengo.
Amuleto inseparável
Lorran admite que, quando a saudade aperta, o jeito é apelar para o amuleto"Vale tudo para se lembrar de quem a gente ama". As palavras do volante do Michel Lorran. expressam bem o que o menino da cidade de Barra das Garças, interior do Mato Grosso, faz para minimizar a ausência dos pais no dia-a-dia.
- Para me lembrar do meu pai, guardo uma camisa com o cheiro dele. Não a uso em hipótese alguma. Vou vestir só para tirar a foto, hein! - avisa Michel Lorran, que chegou à concentração do Flamengo há três meses, vindo das categorias de base do Fluminense.
Cartas para amenizar a saudade
Romântico à moda antiga, Maicon tem como referência de saudade as cartas que coleciona com dedicatórias da mãe. E enquanto a família o aguarda no interior fluminense, em Engenheiro Paulo de Frontin, o garoto se esforça para um dia poder oferecer um melhor padrão de vida aos quatros irmãos e aos pais. Presente na data especial? Ele releva com a cautela de quem está resignado com o pouco que tem.
- Vou pedir para minha mãe um tênis de Dia das Crianças. Mas não cobro muito. Sei que os meus pais não têm condições de me dar muitas coisas. Como eles moram no interior do Rio, mato a saudade lendo as cartas que a minha mãe me escreve - declara Maicon.